Instituições públicas são responsáveis ??por grande parte da produção. Três agências de fomento foram as que mais investiram nas publicações
Em 2020, apenas quatro países respondiam por 60% da produção de artigos científicos sobre covid-19. Na América Latina, o Brasil foi o mais produtivo — mas ainda assim ficou longe das nações que mais publicaram.
Os dados são provenientes de artigo publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que analisou a produção científica relacionada ao covid-19. Essa revisão contabilizou quase 61.000 artigos publicados entre 1 de janeiro e 13 de dezembro de 2020 e indexados na base de dados Web of Science (WoS). O objetivo foi fornecer uma visão geral do esforço coletivo científico global durante o primeiro ano da pandemia.
Da amostra, quase 60% dos artigos correspondem a trabalhos produzidos por pesquisadores dos Estados Unidos (cerca de 28%), China, Itália e Inglaterra (entre 10% e 12% cada). Além disso, destaca-se a contribuição de outros oito países — Índia, Canadá, Alemanha, Espanha, Austrália, Brasil, Irã e Turquia — que, somados aos outros quatro, representam 95% da produção científica mundial em 2020. Do Brasil, 2.582 artigos foram encontrados (cerca de 4% do total).
A revisão mostrou que as publicações se concentraram mais no segundo semestre de 2020 e que foram distribuídas em mais de 6.000 periódicos, com destaque para o grupo editorial Lancet, The British Medical Journal e o grupo Nature. Dos 15 artigos mais citados no mundo, nenhum era da América Latina.
Para Ana Cristina Simões e Silva, uma das autoras do estudo e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), existe uma relação entre a quantidade de artigos de cada país e o quanto cada um foi afetado pela pandemia, bem como a capacidade científica já instalada que permitiu a pronta resposta.
“Vimos que o Brasil, mesmo com todas as restrições orçamentárias para a ciência, alcançou uma produção destacada. Sim, existe uma elite científica, mas alguns países conseguem se classificar bem nesse grupo graças ao esforço dos pesquisadores e à dedicação deles”, afirmou, referindo-se a outros países emergentes da lista, como Índia, Irã e Turquia.
Os 2.582 artigos brasileiros enfocaram questões de saúde pública, medicina, organização do sistema de saúde, doenças infecciosas e abordagens multidisciplinares.
Em relação às instituições brasileiras, as seis primeiras, que correspondem a mais de 50% da produção nacional em 2020, são públicas: a Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Isso reflete do que se trata a pesquisa no Brasil: ela vem de universidades públicas e se baseia em grande parte em investimentos de agências de fomento nacionais e estaduais”, explica Simões e Silva.
Três principais patrocinadores foram destacados no artigo: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Pouco investimento ameaça a produção brasileira
Gonzalo Vecina Neto, professor da Escola de Saúde Pública da USP, não se surpreende com a posição do Brasil no ranking. Em sua opinião, houve um esforço fantástico por parte da comunidade científica brasileira. “Conseguiu sobreviver à má gestão deste governo e à falta de políticas públicas na área de ciência e tecnologia”, afirma, apontando que o desmantelamento dessas políticas vem ocorrendo desde o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff em 2011. Para o pesquisador, a ciência brasileira não existiria sem instituições públicas e, portanto, o cenário de falta de investimentos é grave. “Grande parte do motor de pesquisa brasileiro se deve à pós-graduação, e a situação da Capes na gestão de bolsas para jovens pesquisadores é crítica”, afirma.
Nas ações do país relacionadas à covid-19, ele destaca duas conquistas: o sequenciamento do genoma do vírus causador da doença, realizado 48 horas após os primeiros casos confirmados no país, e a contribuição de estudos com vacinas.
Segundo artigo publicado nos Anais da ABC, havia “pouca literatura publicada sobre vacinas e ensaios clínicos em 2020, embora o Brasil se destaque internacionalmente pela produção de vacinas e programa de vacinação”.
Globalmente, o estudo aponta que, em 2020, os trabalhos acadêmicos sobre a covid-19 deslocaram outros temas que geralmente resultam em grande número de artigos, como obesidade (com 12.220 publicações indexadas no WoS) e hipertensão (10.120).
Relatar dados de pesquisa durante uma pandemia é essencial, mas os autores alertam contra pesquisas não confiáveis, que causam muitos danos.
* Tradução: Jornal da Ciência