Pesquisadores de 12 países iniciaram no último dia 16 de junho a perfuração de um poço no Acre que deverá chegar a 2 quilômetros de profundidade e servirá como uma espécie de “túnel do tempo” da Floresta Amazônica. Além desse, uma segunda perfuração com 1,2 km de profundidade será feita no Pará. A iniciativa pretende buscar informações que ajudem os cientistas a entender como se originou a Amazônia, como o clima afetou seu desenvolvimento ao longo dos últimos 65 milhões de anos e qual poderá ser seu impacto no futuro.
A pesquisa é financiada pelo International Continental Scientific Drilling Program (ICDP), um consórcio que tem sede na Alemanha e conta com a colaboração financeira e científica de 22 países, além da Unesco. O estudo sobre a Amazônia envolve cerca de 60 pesquisadores, metade deles vinculada a instituições brasileiras.
“Este projeto pretende descobrir a origem da Amazônia, a região com a maior biodiversidade do mundo e cujas florestas e rios são responsáveis pela maior parte dos recursos hídricos da América do Sul. Nós queremos entender quando e como foi formada a Floresta Amazônica e o Rio Amazonas”, explica André Oliveira Sawakuchi, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), um dos que está à frente do projeto.
“Entender a origem da Amazônia é importante para sabermos como surgem as espécies de animais e plantas. Isto também nos auxiliará a compreender como a mudança do clima afetará a Amazônia e vice-versa.”
Para ser feita a pesquisa, um equipamento semelhante ao utilizado para perfurar poços de petróleo está penetrando o solo para a retirada de camadas cilíndricas dele. Cada uma dessas camadas, que poderá ter até seis metros de comprimento, será analisada em laboratórios para a busca de evidências físicas, químicas e biológicas.
Como os cientistas já sabem a era em que foi formada cada camada de solo, será possível saber como eram as condições de vida naquele período. Se atingir os 2 quilômetros almejados, os pesquisadores acreditam que o “túnel do tempo” trará evidências que chegam a 65 milhões de anos.
A iniciativa começou a ser gestada há dez anos, mas só agora conseguiu ser colocada de fato em prática. “O custo é elevado, por ser um projeto que demanda perfurações profundas em locais de difícil acesso para sondas de grande porte. A proposta original abrange cinco perfurações. Porém, com a elevação dos custos dos serviços e equipamentos de sondagem após a pandemia e com o início da guerra na Ucrânia, os recursos que obtivemos com as agências de fomento serão suficientes para realizar somente duas perfurações”, ressalta Sawakuchi. O custo estimado é de US$ 4 milhões (cerca de R$ 19,4 milhões).
O primeiro poço está sendo escavado no município de Rodrigues Alves, no Acre, que faz divisa com o Peru. O segundo, que terá 1,2 km de profundidade, será feito na cidade de Bagre, no Pará, que fica ao sul da Ilha de Marajó. Cada uma das perfurações deverá durar três meses, com um intervalo de 60 dias entre elas para que se possa fazer a transferência dos equipamentos.
“Os locais das perfurações foram selecionados a partir de informações obtidas por perfurações para procura de petróleo realizadas pela Petrobras desde a década de 1960. Nós selecionamos locais onde os poços da Petrobras foram ‘secos’ (não encontraram petróleo ou gás natural), mas que identificaram os sedimentos e rochas sedimentares que registram a história da Amazônia”, explica o professor.
“Mas as perfurações para exploração de petróleo não coletaram amostras adequadas para os nossos estudos. No nosso caso, precisamos coletar ‘testemunhos’ de sondagem, que são amostras íntegras cilíndricas das camadas perfuradas. Isto torna a perfuração mais demorada, complexa e com custo mais elevado.”
Batizada de Projeto de Perfuração Transamazônica, a escavação dos dois poços é a maior que se tem notícia. “Com profundidades menores há o projeto Grind (realizado no Brasil, China e Namíbia) e houve o projeto sobre a cratera de Colônia (em São Paulo). Esses dois projetos realizaram sondagens mais rasas, de dezenas a poucas centenas de metros”, compara André Sawakuchi. “Também há os projetos de perfuração oceânica. Um deles com perfurações mais rasas encontra-se em andamento, com o navio realizando perfurações no oceano entre o Suriname e Pernambuco.”
O trabalho de perfuração acontece ao longo das 24 horas do dia, sem interrupção. Cerca de 20 pessoas atuam de forma simultânea, em turnos de 12 horas. A pesquisa conta com recursos da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, do Smithsonian Tropical Research Institute, do Panamá, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.